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Responsabilidade civil no transporte aéreo (2004)

  • Authors:
  • Autor USP: MORSELLO, MARCO FABIO - FD
  • Unidade: FD
  • Sigla do Departamento: DCV
  • Subjects: RESPONSABILIDADE CIVIL; CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO; RESPONSABILIDADE (DIREITO AÉREO); REPARAÇÃO DO DANO; INDENIZAÇÃO; TRANSPORTE AÉREO
  • Language: Português
  • Abstract: Na realidade contemporânea, a responsabilidade civil é orientada pelos princípios da prevenção e da ampla reparação do dano, tendo-se deslocado, destarte, o papel central desempenhado pela culpa. De fato, as repercussões advindas do maquinismo e complexidade das relações jurídicas nas operações de massa impuseram, em um primeiro momento, a coordenação dessas atividades pelo Estado, no âmbito da ordem pública de direção. No entanto, a necessidade de defesa dos mais vulneráveis, conjuntamente com a rejeição aos conceitos jurídicos indeterminados emanados da hipertrofia da atividade estatal, ínsitos ao sistema aberto de regras e princípios, fomentaram o nascedouro da ordem pública de proteção. Deveras, o princípio fundante da dignidade da pessoa humana e a objetivação da responsabilidade civil, tendo em vista o dever de proteção e segurança, previsto no ordenamento constitucional pátrio, nos termos do art. 5.º, caput, impuseram releitura no tocante à prevalência da responsabilidade subjetiva em nosso ordenamento jurídico, mesmo previamente à entrada em vigor do novo Código Civil, e independentemente do caráter contratual ou extracontratual. No que concerne ao aspecto contratual, emerge a importância dos novos princípios contratuais, com proeminência da proteção à parte mais fraca, em consonância com a ordem pública de proteção. Atenuado, portanto, o rigorismo absoluto da autonomia privada e dos princípios contratuais tradicionais, concomitantemente com o destaquedado aos novos princípios, correlacionados com o papel central desempenhado pela pessoa humana, houve repercussões, outrossim, na seara da responsabilidade civil. Com efeito, a despeito da objetivação da responsabilidade, em um primeiro momento, houve expansão da socialização dos riscos, propugnando-se, inclusive, por declínio da responsabilidade individual. No entanto, a realidade fática de aumento das taxas de sinistro, resultantes da mitigação do ) princípio da prevenção e da inexistência de responsabilidade do causador do dano elevaram o denominado spreading perante o corpo social a níveis intoleráveis, para fins de competitividade exigível no mundo globalizado, ocasionando a revisão do sistema, com o escopo de responsabilizar o causador do dano, realçando-se novamente o papel desempenhado pela responsabilidade civil. De fato, o dano e sua reparação, correlacionados com justa compensação à vítima, passaram a exercer papel de destaque, limitando-se as eximentes favoráveis ao seu causador, no âmbito da responsabilidade objetiva, à culpa exclusiva da vítima e ao fato de terceiro, sem prejuízo de que os fatos extraordinários deverão coadunar-se com a denominada força maior extrínseca. Por via de conseqüência, atualmente emerge patente o caráter anacrônico do Sistema de Varsóvia, efetivamente atrelado à ordem pública de direção e ao estágio embrionário da atividade civil aeronáutica em 1929, em cujo desenvolvimento o Estado tinha interesse,elidindo, portanto, indenizações elevadas, que, em última análise, imporiam ressarcimento pelo próprio Estado, controlador à época de várias companhias aéreas. Com efeito, erigiu-se sistema de responsabilidade subjetiva do transportador aéreo internacional, alicerçado em presunção de culpa e patamar-limite indenizável nas hipóteses de danos causados a passageiros (morte, ferimento ou outra lesão corporal, a bordo da aeronave, ou no curso de quaisquer operações de embarque ou desembarque), bagagens e mercadorias (destruição, perda ou avaria, ocorridas durante o transporte aéreo), ou derivados de atraso em vôo. Observe-se que, no âmbito do transporte aéreo doméstico, nos termos do Código Brasileiro de Aeronáutica, fixou-se regime de responsabilidade limitada do transportador para estas mesmas hipóteses, muito embora atreladas a regime de responsabilidade objetiva. De qualquer modo, em ambas as modalidades de ) transporte, somente a dificílima comprovação de culpa grave ou dolo do transportador teria o condão de superar mencionados limites. Com fulcro nesta realidade, o advento de diplomas legais supervenientes à Convenção de Varsóvia coadunou-se com a revisão de valores de indenização manifestamente exíguos, mormente quando correlacionados com dano-evento morte ou lesão corporal aos passageiros, visando adimplir a função compensatória ínsita à responsabilidade civil. No entanto, em se tratando de diplomas internacionais, com diversos interesses em questão, asmodificações se afiguraram tardias e insuficientes, em dissonância com o primado de justa compensação às vítimas. Desse modo, observa-se no Direito estrangeiro, em diversos países, efetiva reação ao Sistema de Varsóvia, com o escopo de salvaguardar adequada compensação às vítimas, rejeitando ou mitigando seus efeitos nas hipóteses de dano-evento morte ou ferimentos aos passageiros. Tais fatores ensejaram o advento da Convenção de Montreal como diploma substitutivo do Sistema de Varsóvia, Convenção que se encontrava em vigor em trinta e quatro países até a data do depósito deste trabalho. O novel diploma legal, no âmbito de dano-evento morte ou lesão corporal ao passageiro, fixou responsabilidade ilimitada do transportador, fulcrada em dois níveis (two-tiered system), ou seja: até 100.000 DES (Direitos Especiais de Saque), regime de responsabilidade objetiva do transportador; acima de mencionado patamar, responsabilidade subjetiva, baseada na culpa. No tocante ao contrato de transporte de bagagens, há responsabilidade objetiva do transportador, fixando-se patamar-limite de 1.000 DES (Direitos Especiais de Saque), com base de cálculo totalmente diversa da anterior. Com efeito, enquanto no Sistema de Varsóvia adotava-se o critério do peso da bagagem entregue, no novo sistema o quantum adrede referido será fixado por passageiro transportado. No que ) concerne ao contrato de transporte de mercadorias, fixou-se regime de responsabilidade objetiva nas hipóteses deperda, destruição ou avaria, as quais se submetem, no entanto, a limites ressarcitórios de 17 DES (Direitos Especiais de Saque) por quilograma. Nas hipóteses de atraso em vôo, fixou-se patamar-limite de 4.150 DES (Direitos Especiais de Saque), por passageiro. Muito embora tenha havido modificação do sistema de responsabilidade contratual, atualmente a responsabilidade extracontratual do transportador aéreo por danos causados a terceiros na superfície por aeronave, pessoa ou coisa dela caída escuda-se na pretérita ordem pública de direção, baseando-se na Convenção de Roma de 1952 e no Protocolo de Montreal de 1978, no âmbito do transporte aéreo internacional, ou no Código Brasileiro de Aeronáutica na seara doméstica. De fato, nas hipóteses de dano-evento, fixou-se responsabilidade limitada do transportador, atrelada à base de cálculo do peso da aeronave, o que, em verdade, não denota nexo causal automático com a extensão do dano. Ademais, sem prejuízo dos ditames preponderantes fixados nos arts. 6.º, VI, e 17, do Código de Defesa do Consumidor, quando cotejados com os diplomas legais supra-indicados, preconizamos regime de responsabilidade extracontratual objetiva sem patamar-limite indenizável, tendo em vista a inviabilidade de prévia regulamentação de interesses, conjuntamente com a existência de dever de segurança e proteção (objetiva) devidamente constitucionalizado. Observa-se, outrossim, na seara da responsabilidade civil do transportadoraéreo, a inequívoca complexidade técnica de diversos serviços, que ensejou segmentação de atividades crescente. Desse modo, cumpre analisar o conceito de préposé com fundamento em funcionalização da atividade imponível ao transportador, o que permite inferir sua responsabilidade nas hipóteses de serviços prestados por pessoal aeronáutico, ) catering, handling e Sistema Computadorizado de Reservas, entre outros. Por via de conseqüência, os serviços de circulação aérea não se inserem na categoria de prepostos do transportador, de modo que este poderá escudar-se na eximente de fato de terceiro, se provado o fato daqueles. No entanto, o usuário do transporte que tenha sofrido algum dano causado por mencionados serviços poderá ajuizar ação de ressarcimento por perdas e danos, sem qualquer patamar-limite indenizável, conjuntamente com regime de responsabilidade extracontratual objetiva. Cumpre ressaltar, ainda, que as alianças empresariais entre transportadores aéreos, com múltiplas e crescentes variações, visando à redução de custos e ao aumento das margens de lucro, em ramo assaz competitivo, deverão submeter-se ao primado do equilíbrio contratual perante o usuário do transporte, com o importante implemento dos deveres anexos de ampla informação e esclarecimentos - ínsitos à boa-fé objetiva -, desde a fase pré-contratual, especialmente no que diz respeito ao code-sharing e à bilhetagem eletrônica. No contrato de transporte aéreo de passageiros, a obrigaçãode proteção imponível ao transportador afigura-se fundamental. Não se deve descurar, no entanto, de sua peculiaridade no que tange à celeridade, na medida em que, na percepção social do tipo contrato de transporte aéreo, esta é seu elemento integrante e motivo determinante da contratação. Desse modo, nas hipóteses de atraso em vôo, preconizamos a aplicação de regime de responsabilidade objetiva do transportador, não prosperando, portanto, a eximente positiva da devida diligência e tampouco limites temporais mínimos fixados em legislação especial, como pré-requisito ao dever de indenizar, devendo-se sopesar, portanto, in concreto, com circunstâncias específicas, eventual dano causado por atraso, em cotejo com conduta da vítima, de terceiro ou força maior extrínseca. No que concerne ao ) overbooking, caracteriza infração contratual grave, que ocorre previamente à operação de embarque, de modo que se aplicam os ditames do Direito comum, sem prévio patamar-limite indenizável. Com efeito, a própria corrente doutrinária favorável à aplicação preponderante dos ditames do Sistema de Varsóvia admite inexistir regulamentação do instituto, não erigível às hipóteses de atraso, ensejando regulamentação pelo Direito interno de cada país. De qualquer modo, tratando-se de infração grave, há corrente doutrinária que sustenta, mesmo sob a égide do Sistema de Varsóvia, a inserção da conduta do transportador como culpa grave, desconsiderando, portanto, qualquerpatamar-limite indenizável. O alcance da obrigação de proteção, conjuntamente com o princípio de justa compensação às vítimas, permite inferir inclusão da figura dos danos extrapatrimoniais, com fulcro em força normativa advinda da Constituição Federal, nos termos do art. 5.º, V e X, razão pela qual as restrições expressas fixadas nesse aspecto pela nova Convenção de Montreal não se afiguram vinculantes. Do mesmo modo, em se tratando de contrato de transporte aéreo gratuito, a proeminência da obrigação de proteção à pessoa impõe a aplicação dos consectários da responsabilidade objetiva, sem patamar-limite indenizável. No transporte clandestino, vige a eximente de culpa exclusiva da vítima, com a ressalva de obrigação de proteção caso a pessoa seja descoberta a bordo, na cabine de passageiros, até efetivo desembarque no próximo aeroporto disponível ou no local de destino da aeronave. Cumpre asseverar, outrossim, que a objetivação da responsabilidade do transportador aéreo é incompatível com a eximente positiva da devida diligência, de modo que somente as hipóteses de culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro estranho ao empreendimento exercido e força maior extrínseca poderão elidir o dever de indenizar. Por via de conseqüência, nos ) acidentes aéreos, o dano derivado de causa desconhecida impõe ao transportador os ônus correlatos. O mesmo se diga no tocante às hipóteses de incidentes aéreos, não inseríveis nas eximentes supra-referidas, na medida em que aobrigação de proteção supera a definição estrita de acidente aéreo. Em nosso país, após a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, que propiciou em sede de relações de consumo a ampla reparação do dano, iniciaram-se debates doutrinários, com repercussões na seara jurisprudencial, relativos à preponderância do microssistema consumerista em sede de relações de consumo, quando cotejado com o Sistema de Varsóvia e com o Código Brasileiro de Aeronáutica. De fato, nos contratos de transporte aéreo de passageiros e bagagens, vige relação de consumo, que prepondera diante dos ditames do Sistema de Varsóvia, da Convenção de Montreal e do Código Brasileiro de Aeronáutica, ressalvando-se, no tocante à bagagem, a formação do juízo de verossimilhança no que concerne à prova do seu conteúdo. Por outro lado, nas hipóteses de contrato de transporte aéreo de mercadorias, somente quando comprovada a condição de destinatário final, fático e econômico do produto ou serviço, com mister diverso daquele correlacionado com a mercadoria adquirida ou serviço utilizado, sem prejuízo de prova de efetiva vulnerabilidade, aplicar-se-á excepcionalmente o microssistema consumerista, sob pena de sua vulgarização. Ademais, a posição finalista restou robustecida com o advento do novo Código Civil, que em sede de contrato de transporte de coisas expressamente admitiu a fixação prévia de patamar-limite indenizável. A alusão à classificação da Convenção de Varsóvia como tratado internacionalnão possibilita sua inserção nos ditames do art. 5.º, § 2.º, da Constituição Federal. Ao revés, escudando-se na pretérita ordem pública de direção, visando privilegiar desenvolvimento do ramo aeronáutico, ) obstaculiza a justa compensação à vítima e o correlato alcance da obrigação de proteção, de modo que, em verdade, vulnera o próprio escopo dos tratados internacionais de direitos humanos. Ademais, nossa tradição pretoriana recente evidencia inexistência de privilégio hierárquico dos tratados internacionais, quando cotejados com lei ordinária. Por derradeiro, tendo em vista que, por vezes, ocorrem acidentes aéreos correlacionados com o fato do fabricante-construtor da aeronave ou de peças desta, emerge perante o usuário do transporte responsabilidade extracontratual objetiva, sem patamar-limite indenizável, o que fomenta indevidamente o forum shopping, tendo em vista o risco de limitação favorável ao transportador
  • Imprenta:
  • Data da defesa: 24.09.2004

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    • ABNT

      MORSELLO, Marco Fábio. Responsabilidade civil no transporte aéreo. 2004. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. . Acesso em: 16 abr. 2024.
    • APA

      Morsello, M. F. (2004). Responsabilidade civil no transporte aéreo (Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.
    • NLM

      Morsello MF. Responsabilidade civil no transporte aéreo. 2004 ;[citado 2024 abr. 16 ]
    • Vancouver

      Morsello MF. Responsabilidade civil no transporte aéreo. 2004 ;[citado 2024 abr. 16 ]


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